Planejamento Patrimonial e Sucessório além da Holding
16 de out. de 2025

Sumário
Introdução: A decisão que separa o patrimônio de um formalismo vazio
O que é e o que não é planejamento (e por que “holding” é meio, e não fim)
Bases legais e normativas essenciais
Método por fase do ciclo patrimonial
Fase 1: Acumulação e organização
Fase 2: Consolidação e proteção
Fase 3: Antecipação sucessória em vida
Fase 4: Sucessão causa mortis
Fase 5: Reorganização empresarial e governança
Fase 6: Internacionalização e gestão profissional
Matriz por perfis de ativos que compõem o acervo
Ativos Imobiliários
Acervo Empresarial
Ativos Financeiros
Seguros e previdência aberta (VGBL/PGBL): Liquidez sucessória e Tema 1214/STF
Governança, compliance e documentação de suporte
Implementação e acompanhamento
Conclusão e caminhos de execução
Introdução: A decisão que separa o patrimônio de um formalismo vazio
Se você construiu o seu patrimônio familiar, ou é sucessor, executivo-sócio ou investidor com portfólio relevante, já deve ter ouvido a promessa de que ao constituir uma holding tudo se resolve: blindagem patrimonial, economia de impostos e afastamento do inventário. O planejamento patrimonial e sucessório é, no entanto, uma disciplina mais ampla, que organiza, protege e perpetua o patrimônio e projetos empresariais, equacionando poderes políticos, fluxos de caixa e tributação com segurança jurídica. Não se confunde com a mera transferência de bens a uma pessoa jurídica, mas na coerência entre objetivos familiares, governança societária e escolhas tributárias ao invés de um simples rótulo societário.

Trata-se de uma visão necessariamente interdisciplinar, pois compreende institutos próprios do Direito de Família e Sucessões, Societário e Tributário, além de aspectos contábeis e financeiros.
Sua eficiência se mede, portanto, pela perenidade e atingimento das pretensões dos patrimonialistas interessados, e não apenas por seu potencial de redução da carga fiscal imediata.
O que é e o que não é planejamento (e por que “holding” é meio, e não fim)
O popular termo “holding” não designa um tipo societário especial. Trata-se de uma sociedade cujo objetivo é deter participações em outras sociedades (em seu sentido mais estrito) ou administrar bens próprios (em sentido menos técnico, comumente chamada “holding patrimonial”). Em outras palavras, holding é um instrumento eventual, indicado quando se busca otimizar governança, segregar riscos e facilitar a sucessão do patrimônio, não sendo uma solução universal para todos os casos.
O planejamento autêntico tampouco se resume à mera economia de tributos. Cada projeto nasce de um diagnóstico honesto do perfil familiar, ativos e riscos, e ganha forma em acordos, cláusulas e protocolos de família, sempre amparado por boas práticas de documentação com substância jurídica. Constituir holdings, ou apenas adotar “placas jurídicas”, sem qualquer critério contábil robusto, sem escrituração adequada e sem propósito negocial é a forma mais rápida de transformar uma pretensa solução em risco desnecessário ao patrimônio, tornando-o alvo de questionamentos de órgãos reguladores ou fiscais, ou mesmo de disputas societárias.
A constituição de holdings patrimoniais é um instrumento útil, porém não configura, por si, um planejamento válido sem substância econômica, propósito negocial e documentação idônea. À luz do Código Tributário Nacional (CTN), atos e negócios jurídicos podem ser desconsiderados pela administração tributária quando encobrirem a ocorrência do fato gerador do tributo. Isso impõe, na prática, três exigências cumulativas: (i) coerência entre forma e realidade econômica; (ii) propósito negocial identificável e mensurável (governança, segregação de riscos, organização sucessória, racionalização de compliance, profissionalização da gestão, etc.); e (iii) trilha documental-contábil completa que dê suporte à narrativa jurídica.
As reorganizações patrimoniais devem, ainda, respeitar os limites da interpretação tributária sobre institutos de direito privado (CTN, arts. 109 e 110) e a vedação de confusão patrimonial (art. 50 do Código Civil). Em síntese: a holding é meio, e sua validade repousa na consistência dos atos, registros e controles que a sustentam ao longo do tempo.
Bases legais e normativas essenciais
No campo do Direito, três pilares sustentam o desenho de um bom projeto de planejamento, atribuindo-se a relevância própria de cada um de acordo com o perfil patrimonial e as soluções mais indicadas para o caso concreto:
Pilar cível-sucessório: a arquitetura deve respeitar a legítima dos herdeiros necessários e a vedação da chamada “herança de pessoa viva”, sendo válida a partilha em vida por ascendente, desde que não prejudique a legítima. O STJ já assentou que, inexistindo bens a partilhar após partilha em vida regularmente formalizada, não há inventário cabível. Na prática, este cenário é incomum, porém pode simplificar substancialmente o eventual inventário de um acervo residual. Não se descarta, no entanto, a adoção de testamentos, cláusulas restritivas em doações dentre outros instrumentos. Ganha cada vez mais força o reconhecimento de vínculos familiares socioafetivos, com impacto direto na esfera sucessória e consolidações jurisprudenciais sobre convivência e regime de bens. Essa moldura reforça a importância de que o desenho do projeto nasça da realidade familiar, e não de modelos genéricos.
Pilar societário de governança: o contrato social ou estatuto define o objetivo social, a forma como os bens integrarão o capital e como a sociedade exercerá suas atividades. Já o acordo de sócios ou acionistas, previsto no Art. 118 da Lei das Sociedades por Ações (LSA) e, quando arquivado na sede, vincula a companhia às suas regras, disciplinando voto, preferência e poder de controle. Nas sociedades limitadas, a aplicação supletiva permite replicar institutos mais sofisticados e reforçar previsibilidade de liquidez, sucessão de quotas e resolução de impasses.
Pilar tributário: o Regulamento do Imposto de Renda (RIR) orienta o tratamento fiscal de pessoas físicas e do espólio, ao passo que o Imposto sobre Transmissão Causa Mortes e Doação (ITCMD) estadual e o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) municipal exigem uma leitura fina, inclusive sobre imunidades e critérios de avaliação
A Reforma Tributária trazida pela LC 214/2025, por sua vez, instituiu o Imposto e a Contribuição sobre Bens e Serviços (IBS/CBS) em modelo dual, com princípio de neutralidade, estabelecendo hipóteses de não incidência, sem alterar a lógica do ITCMD/ITBI, que ainda carecem de solo firme na jurisprudência dos tribunais superiores. Tal mudança não elimina a necessidade de governança documental e prova de propósito nas reorganizações, situações em que erros de enquadramento podem gerar incidências que onerem o patrimônio.
Nas operações intragrupo, a governança deve cobrir fornecimentos gratuitos ou abaixo de mercado, com política formal de partes relacionadas, memórias dos créditos de IBS/CBS, contratos escritos e evidências periódicas de preço de transferência. Essa disciplina reduz requalificações e preserva a neutralidade.A LC 214/2025 estende a incidência de IBS/CBS a devoluções de capital e dividendos in natura a sócio não contribuinte quando houve crédito na aquisição, além de certos fornecimentos não onerosos, sem alterar a base de ITBI/ITCMD. Em holdings, devoluções e distribuições em bens exigem teste prévio de IBS/CBS e trilha de créditos para evitar recálculos na saída do ativo.

A Lei 14.754/2023, regulamentada pela IN RFB 2.180/2024, passou a exigir apuração anual, na Declaração de Ajuste Anual (DAA), dos rendimentos de aplicações financeiras no exterior, com alíquota definitiva de 15%. Determinou a inclusão anual de lucros de CFCs conforme critérios de jurisdição favorecida ou predominância de renda passiva e tratou trusts sob regras de transparência para titularidade e eventos tributáveis. O regime transitório de atualização a valor de mercado formou custo a partir de 2024 e já se encerrou. Na prática, o novo marco impõe revisão de fluxos, documentação e calendário fiscal, sobretudo em reorganizações, distribuições e devoluções de capital.
No plano sucessório, é essencial harmonizar testamentos brasileiros e instrumentos estrangeiros (p.ex., cartas de desejos em trusts), sempre respeitando a legítima quando o falecido for domiciliado no Brasil.
Cabe, ainda, uma nota sobre o uso de instrumentos financeiros para dar liquidez e previsibilidade à sucessão. Quando corretamente estruturados, estes instrumentos podem prover recursos imediatos para custear ITCMD, ITBI e despesas de inventário incidentes sobre outros ativos, equalizar quinhões entre herdeiros e financiar cláusulas de compra e venda em acordos de sócios (modelos cross purchase ou entity purchase). Além disso, o STF decidiu, em regime de repercussão geral, ser inconstitucional a incidência de ITCMD sobre repasses de VGBL e PGBL aos beneficiários na morte do titular. Isso não elimina o dever de conformidade, vez que a escolha de beneficiários, a prova de capacidade e a aderência às regras do produto exigem uma documentação cuidadosa e atualização constante.
Do tripé civil–societário–tributário decorrem responsabilidades distintas e complementares. Civilmente, respeitam-se legítima e desenho familiar, societariamente, amarram-se voto, preferência, liquidez e sucessão, e no âmbito tributário, define-se incidência, base e prova de substância. Na prática, a implementação ocorre em camadas ao longo do ciclo patrimonial, como segue.
Método por fase do ciclo patrimonial
Abandonada a crença de que a holding é a solução óbvia para todos os casos, dada a interdisciplinaridade exigida pelos projetos, vale tratar da maturidade do acervo patrimonial e do momento familiar para entendimento das soluções mais indicadas no caso concreto:
Fase 1: Acumulação e organização
Quando o patrimônio é disperso em imóveis em nome de pessoas físicas, microempresas ou carteiras pulverizadas, o passo decisivo é organizar: elencar ativos e passivos, ajustar cadastros, definir contratos familiares (pactos, regimes, convivência etc.) e conferir regularidade registral. Nessa fase, um testamento pode endereçar a parte disponível, a proteção de incapazes e os legados.
As doações com reserva de usufruto podem modular posse e rendimentos, preservando a autonomia decisória no instituidor, e o mapeamento tributário ainda pode evitar surpresas futuras, seja quanto ao ITCMD sobre doações, ITBI em transmissões onerosas de imóveis ou imposto de renda (IR) sobre ganhos de capital.
Nessa fase se exige atenção à formalidade, pois uma simulação (doações mistas, subavaliação, dentre outras) costuma resultar em arbitramento e questionamentos fiscais. O registro consistente de procurações, atas, escrituras, e avaliações é o antídoto que protege a família de si mesma e de eventuais autos de infração.
Fase 2: Consolidação e proteção
Na consolidação, o vetor central é separação patrimonial com disciplina de caixa e governança mínima efetiva. Aqui, muitas vezes a sociedade patrimonial, seja uma holding simples ou sociedade de propósito específico (SPE), pode ser mais indicada. E não se trata de buscar o “custo tributário zero”, e sim centralizar e padronizar contratos, segregar riscos, profissionalizar a gestão e preparar a sucessão. O acordo de sócios devidamente registrado previne travas de liquidez, fixa política de dividendos e define regras de saída.
Do lado fiscal, as doações de quotas podem exigir base de cálculo a valor de mercado de acordo com a lei estadual aplicável, as alienações por pessoas físicas se sujeitam a IR sobre ganhos de capital e as reorganizações não onerosas podem buscar amparo na não incidência de IBS/CBS, sem afetar a esfera do ITBI, reforçando a importância de propósito negocial e documentação adequada, sobretudo em operações entre partes relacionadas. Laudos, memórias de cálculo e atas devem amarrar avaliação a valor de mercado, base de ITCMD/IR e coerência entre preço, propósito e execução.
Exemplo aplicado: família com sete imóveis em três municípios organiza duas SPEs por cluster geográfico, padroniza contratos de locação e reembolsos, produz laudos independentes e executa integralizações com dossiê de propósito e teste prévio de ITBI.
Fase 3: Antecipação sucessória em vida
A antecipação sucessória em vida tem na doação com reserva de usufruto seu instrumento mais eficiente, pois separa titularidade e fruição econômica. A nua-propriedade é transferida ao sucessor enquanto o instituidor preserva rendimentos e, quando cabível, a influência na gestão por cláusulas e acordos bem definidos. Laudos consistentes e métodos claros de avaliação reduzem riscos de requalificação e auxiliam no tratamento do ITCMD, inclusive na futura consolidação do domínio.

Em grupos empresariais, a doação de quotas ou ações exige atualização do acordo de sócios para assegurar preferência, política de dividendos, regras de liquidez e solução de impasses. A liquidez do ciclo pode ser planejada com instrumentos financeiros para custear tributos, equalizar quinhões e viabilizar cláusulas de compra e venda sem pressionar a venda de ativos estratégicos. Em patrimônios imobiliários, o usufruto preserva moradia e renda com cláusulas protetivas compatíveis com a lei. Já em contextos internacionais, doações de participações externas e direitos em trusts devem harmonizar reportes, reconhecimento de disponibilidade econômica e testamentos locais, respeitando a legítima aplicável.
Fase 4: Sucessão causa mortis
No óbito, a solidez do que foi construído em vida é testada pela capacidade de o patrimônio transitar com liquidez, conformidade e baixa litigiosidade para os herdeiros. Quando todos são capazes, não há testamento a cumprir e existe consenso entre eles, o inventário extrajudicial viabiliza partilha célere e previsível, desde que haja caixa para o pagamento do ITCMD, custas e emolumentos, e que avaliações sejam consistentes para mitigar arbitramentos.
Se houver incapazes, controvérsia ou testamento a ser observado, o inventário judicial se impõe e deve ser planejado com cronograma realista de atos, definição de responsáveis e preservação de valor de ativos ilíquidos. Em grupos empresariais, convém alinhar a partilha à governança preexistente, evitando a pulverização de controle e a descontinuidade operacional, o que envolve coordenar votos, preferência e política de dividendos com o acordo de sócios e os estatutos.
Enquanto não houver partilha ou adjudicação, o espólio é sujeito de direito para fins fiscais e cumpre obrigações próprias, com declarações em seu nome, apuração de rendimentos e responsabilidade do inventariante. A boa prática envolve um dossiê probatório que una avaliações, laudos, deliberações, comprovação de custos e registros, criando uma linha narrativa única entre o que se declara, o que se contabiliza e o objeto da partilha.
Fase 5: Reorganização empresarial e governança
Em grupos operacionais, as reorganizações societárias são desenhos que visam recompor as linhas de controle, segregar riscos e simplificar as cadeias societárias, sem confundir eficiência estrutural com multiplicidade de holdings. A finalidade é alinhar a estrutura jurídica à realidade econômica e sucessória, preservando comando e liquidez adequados. Quando fazem sentido, holdings de controle individuais por núcleo familiar organizam o voto no topo e distribuem os direitos econômicos na base para cada núcleo familiar mediante regras claras de preferência, política de dividendos, quóruns qualificados e mecanismos de solução de impasses.
Do ponto de vista tributário, operações não onerosas tendem a gozar de neutralidade nos tributos sobre consumo, mas isso não afasta o dever de documentar o propósito, o preço de referência e as condições entre partes relacionadas. O ITCMD e o ITBI permanecem regidos por seus próprios regimes e exigem atenção à base de cálculo, à eventual incidência por transmissão de bens e às hipóteses de imunidade em integralizações quando estritamente atendidos os requisitos. A contabilidade, os laudos e as atas são o alicerce que sustenta a narrativa de governança e a coerência fiscal, reduzindo espaço para glosas e requalificações.
Fase 6: Internacionalização e gestão profissional
A internacionalização do patrimônio começa pela definição de residência fiscal, calendário de reporte e aderência às regras de rendas no exterior, CFCs e trusts. A saída definitiva exige prazos e comunicações formais, assim como testamentos nacionais devem conversar com instrumentos estrangeiros, respeitando a legítima brasileira quando aplicável.
O planejamento realizado antes da mobilidade internacional reduz riscos de dupla tributação e de eventos de disponibilização inesperados, especialmente em estruturas fiduciárias sujeitas à marcação a valor ou distribuição. Doações de participações em sociedades estrangeiras, quotas de fundos offshore e direitos decorrentes de trusts demandam a revisão de calendários de reporte, acordos de informação e documentação de substância. O êxito depende da simetria entre o que se pratica no Brasil e o que se pratica nas outras jurisdições envolvidas, com registros, apostilamentos e traduções juramentadas que preservem a integridade do sistema, além de agentes qualificados trabalhando para a estrutura.
Exemplo aplicado: família com holding local e participação em sociedade europeia define residência fiscal antes da mobilidade, formaliza carta de desejos compatível com testamento brasileiro, consolida custo fiscal de ativos e agenda traduções e apostilas. Depois da migração, apenas opera e monitora conforme o calendário da nova jurisdição.
Matriz por perfis de ativos que compõem o acervo
Outra perspectiva é a natureza do acervo patrimonial, que pode ser composto por imóveis, ativos financeiros com ou sem liquidez, participações societárias com ou sem envolvimento do núcleo familiar nas atividades operacionais.
Ativos Imobiliários
Para carteiras com múltiplos imóveis em diferentes municípios ou estados, a segregação por SPE ou holdings imobiliárias padroniza contratos, centraliza despesas e melhora a prova de propósito. Nas operações onerosas, a análise da incidência de ITBI exige atenção a imunidades constitucionais e à jurisprudência sobre integralizações, vez que após o exame do Tema 796/STF, muitos municípios passaram a exigir ITBI sobre a diferença entre valor histórico e de mercado, o que demanda estratégia probatória e, por vezes, o recurso à via contenciosa.

A imunidade do ITBI prevista no art. 156, § 2º, I, da Constituição alcança a transmissão de bens para realização de capital apenas até o valor efetivamente destinado à integralização. O Supremo Tribunal Federal, no RE 796.376/SC julgado sob repercussão geral, afirmou que a parcela que excede o montante integralizado pode ser tributada pelo município.
Na parte não coberta pela imunidade, o ITBI incide sobre o valor de mercado do imóvel em condições normais de negociação. O Superior Tribunal de Justiça, no Tema 1.113, afastou o “valor venal de referência” unilateral e, havendo divergência de avaliação, aplica-se o procedimento de arbitramento do art. 148 do CTN. Esse ponto é especialmente relevante quando a tributação recai apenas sobre o excedente após a integralização.
A transferência da propriedade somente se aperfeiçoa com o registro do título no Registro de Imóveis. O registro do contrato social, por si só, não transfere o domínio e não substitui a inscrição imobiliária competente.
Nos casos em que a atividade preponderante da adquirente seja compra e venda, locação de imóveis ou arrendamento mercantil, a Constituição afasta a imunidade. Por isso, é essencial testar a preponderância com base em receitas e objeto social e documentar a natureza de administração de bens próprios quando aplicável.
Nota de acompanhamento: o STF julga o Tema 1.348 (RE 1.495.108/SP), que discute o impacto da atividade imobiliária preponderante na imunidade da integralização. O voto do relator propõe imunidade incondicionada e o julgamento está suspenso por pedido de vista. Até decisão final, permanece aplicável o entendimento acima.
Doações com usufruto de imóveis podem ser um eficiente instrumento de transmissão intervivos, desde que atendidos os critérios fiscais buscando se evitar arbitramentos e a adequada previsão para a consolidação do domínio. Laudos independentes usualmente dão lastro e credibilidade à base de cálculo e à narrativa de propósito.
Acervo Empresarial
Em empresas operacionais, a governança é o eixo que sustenta a continuidade e o comando. O acordo de sócios organiza o voto, a preferência e a liquidez, com regras claras de entrada, de saída e de distribuição. O protocolo familiar converte expectativas em normas de convivência, de trabalho e de sucessão. As reorganizações bem desenhadas, como cisões para separar ramos e incorporações para simplificar cadeias societárias, reordenam a tomada de decisão e segregam riscos. Quando não há onerosidade, essas operações tendem à neutralidade em IBS/CBS, sem prejuízo das competências próprias de ITCMD e de ITBI.
As cláusulas de veto exigem finalidade específica e escopo definido, ao passo que as formulações genéricas aumentam o atrito e criam insegurança. Em estruturas familiares, o usufruto sobre quotas ou ações, acompanhado de uma convenção de voto bem delimitada, costuma oferecer estabilidade superior ao voto plural, especialmente em razão das limitações temporais previstas no art. 110-A da LSA. Esse arranjo preserva o comando, reduz litígios e facilita a transição geracional.
Nos casos em que exista uma CFC e estejam presentes as hipóteses legais, os lucros contábeis apurados em 31 de dezembro compõem, a cada ano, a DAA do residente, ainda que não haja distribuição. Essa dinâmica impõe a realização dos testes de predominância passiva e de jurisdição de tributação favorecida, e exige lastro de governança e de contabilidade. O acordo de sócios, a política de dividendos, os controles de partes relacionadas, as demonstrações em IFRS (normas contábeis internacionais) ou em BR GAAP (normas contábeis brasileiras), as memórias de cálculo e a documentação de distribuições e de devoluções de capital formam o dossiê mínimo para mensurar corretamente a base e para sustentar a defesa em eventual fiscalização.
Nas sociedades de administração de bens, a coerência entre a forma e a prática é indispensável. Os contratos intragrupo devem ser escritos e executados, como os mútuos, as locações e os serviços. A segregação de contas e de reembolsos, o registro de partes relacionadas e a escrituração tempestiva completam o conjunto mínimo de controles. Sem esses pilares, a separação patrimonial perde consistência e o desenho sucessório se torna menos eficiente.
Ativos Financeiros
Quando o objetivo é centralizar caixa em títulos de renda fixa e em veículos condominiais regulados (por exemplo, fundos de investimento, inclusive Fundos de Investimento Imobiliários e Fundos de Índices), a constituição de pessoa jurídica optante pelo Simples Nacional pode ser viável desde que o objeto social e a operação não importem participação no capital de outra pessoa jurídica. Nessas hipóteses, os rendimentos de aplicações financeiras não compõem a base do DAS e são tributados fora do Simples, conforme as regras próprias aplicáveis às pessoas jurídicas optantes.
Por força do art. 3º, §4º, VII, da LC 123/2006, a aquisição de ações caracteriza participação no capital de pessoa jurídica e impede o ingresso ou a permanência no Simples Nacional. O mesmo racional se aplica a BDRs (recibos negociados na bolsa brasileira) lastreados em ações estrangeiras. Nesse cenário, a alternativa de conformidade passa por lucro presumido ou real, conforme perfil operacional e materialidade.
Em carteiras compostas por ativos locais, a doação com usufruto de quotas de fundos exclusivos ou holdings patrimoniais preserva renda no instituidor, coordenada com acordos sobre política de liquidez e resgates. Quanto às aplicações financeiras no exterior, aplica-se a apuração anual, na DAA, à alíquota de 15%, nos termos da Lei 14.754/2023 e da IN RFB 2.180/2024.
Tal mudança não elimina a necessidade de governança documental e prova de propósito nas reorganizações, sobretudo em operações entre partes relacionadas ou com fornecimentos abaixo do valor de mercado, situações em que erros de enquadramento podem gerar incidências colaterais.
Seguros e previdência aberta (VGBL/PGBL): Liquidez sucessória e Tema 1214/STF
Tratando de seguros e previdência aberta, o Supremo Tribunal Federal fixou, sob repercussão geral (Tema 1214, RE 1.363.013/RJ), a tese de que é inconstitucional a incidência do ITCMD sobre o repasse aos beneficiários de valores e direitos de VGBL e PGBL por morte do titular. Na prática, benefícios pagos diretamente aos beneficiários contratuais não integram a herança e não compõem a base do ITCMD.
A decisão alinha-se ao art. 794 do Código Civil (capital de seguro de vida não integra herança) e à orientação do STJ que, antes mesmo do STF, já reconhecia a natureza securitária do VGBL e a não submissão ao ITCMD quando do pagamento ao beneficiário. Em previdência aberta, o art. 79 da Lei 11.196/2005 reforça a disciplina de pagamento aos beneficiários.
Os embargos com pedido de modulação foram rejeitados, permanecendo a eficácia geral da tese. Este cenário abre espaço para restituição do que tenha sido recolhido indevidamente, à luz dos arts. 165 e 168 do CTN (pedido de restituição em até 5 anos), sendo recomendada a consulta especializada para a definição da melhor estratégia.
O ganho prático está na liquidez imediata para equalização de quinhões e cobertura de custos sucessórios. O ponto crítico é a conformidade documental contínua: beneficiários, capacidade, aderência ao produto e arquivos atualizados. Havendo recolhimento pretérito de ITCMD, avalia-se a via de restituição dentro dos prazos legais.
Governança, compliance e documentação de suporte
A longevidade de uma arquitetura patrimonial depende de uma engrenagem contínua e discreta que alinha documentos societários coerentes, contabilidade com lastro e disciplina regulatória capaz de sustentar a credibilidade dos registros. No plano societário e parassocial, o contrato ou o estatuto deve refletir o objetivo real do arranjo, definir quem decide, como decide e quais salvaguardas limitam riscos. Esse desenho se completa com um acordo de sócios efetivamente arquivado e oponível, que disciplina o voto, a preferência, os períodos de lock-up, a política de dividendos, as opções de compra e venda e um método claro de resolução de impasses. Esse conjunto preserva o poder político, assegura liquidez previsível e favorece a harmonia entre os ramos familiares.
Laudos independentes, com data-base, metodologia e premissas, atas de aprovação e memórias de cálculo compõem a trilha mínima que dá suporte a ITBI, ITCMD, ganho de capital e operações intragrupo, preservando a substância do arranjo.
Sem contabilidade adequada, os instrumentos perdem eficácia. Demonstrações consistentes, livros societários atualizados em meio físico ou digital, deliberações formais e uma política de avaliação compreensível formam o alicerce de qualquer base de cálculo submetida ao ITCMD, ITBI ou IR. Quando pertinente, métodos explícitos amparados por laudos técnicos reforçam a narrativa econômica que confirma o propósito jurídico.
No campo regulatório, a disciplina é tão importante quanto a estratégia. As orientações do DREI e a atuação das Juntas Comerciais, inclusive em prevenção à lavagem de dinheiro, exigem documentação fidedigna e tempestiva. O combate a lacunas documentais deve ser permanente, porque estruturas sem substância, atas vazias e arquivos incompletos tendem a gerar glosas, incidentes cadastrais e perda de valor na governança que se pretendeu criar.
Como rotina anual, o conselho familiar e os administradores devem revisar as atas e os livros societários, a política de dividendos e os vetos, os contratos intragrupo, os dossiês de avaliação e as memórias de cálculo de ITCMD, ITBI e IR, além do calendário fiscal e dos poderes de representação. Esse ciclo preserva a substância e antecipa ajustes regulatórios.
Implementação e Acompanhamento
A abordagem consultiva madura percorre quatro movimentos que se sucedem de forma contínua. O ponto de partida é o diagnóstico. Nessa etapa se levanta, com rigor e sigilo, a realidade da família e do patrimônio. Mapeia-se o acervo imobiliário e suas jurisdições, participações e acordos existentes, carteira financeira e o retrato tributário por competência. Essa fotografia se forma com documentos objetivos, como declarações fiscais, contratos sociais, matrículas, demonstrações e posição de dívidas.
Com a fotografia em mãos, inicia-se o desenho. A seleção de instrumentos segue a fase do ciclo patrimonial e o perfil dos ativos. O projeto pode combinar testamento, doação com usufruto, acordo de sócios mais robusto, reorganizações pontuais e criação de veículos específicos. Em paralelo, define-se a governança, indicando instâncias decisórias, regras de voto, política de dividendos e de liquidez. Também se estabelece um calendário de atos, registros e comunicações fiscais. O desenho inclui ainda um plano de liquidez para custos de ITCMD, ITBI e emolumentos, evitando soluções improvisadas.
A implementação transforma a arquitetura em atos. Constituições e alterações societárias são formalizadas, acordos são arquivados, doações e testamentos são lavrados, laudos são produzidos quando pertinentes. Sempre que admissível, prepara-se um inventário extrajudicial com minutas e documentos de base organizados. O valor está no conteúdo e na forma pautados pela boa prática, pois um instrumento mal registrado pode acabar por gerar um problema diferido.
O acompanhamento fecha o ciclo e, ao mesmo tempo, o reinicia, porque o ambiente tributário, societário e sucessório evolui de forma contínua. Mudanças em leis, decisões dos tribunais, práticas fiscais e na própria dinâmica familiar exigem revisões periódicas que mantenham cadastros, contabilidade e atas em dia e que ajustem cláusulas ao cenário vigente, sem rupturas desnecessárias.
Em caso de óbito, a gestão do espólio e de suas declarações até a partilha segue procedimento próprio e precisa estar prevista com antecedência, com papéis definidos e cronograma realista, para não surpreender herdeiros e administradores. Na prática, o que sustenta a perenidade do desenho são perguntas simples e recorrentes, feitas no tempo certo: o que deve permanecer essencial nos próximos dez anos, quando a família precisará de liquidez, quais decisões continuam a exigir quórum qualificado ou direito de veto e onde ainda existem lacunas documentais. As respostas organizam o trabalho, preservam a previsibilidade e mantêm o planejamento vivo.
Conclusões e caminhos de execução
O planejamento patrimonial e sucessório é disciplina multivetorial que cruza afeto e governança, sociedade e tributos, estratégia e contabilidade. O que o legitima não é a estruturação de holdings, mas a coerência jurídica aliada à realidade econômica. Os instrumentos variam de acordo com a fase e com o perfil do patrimônio. Para alguns perfis, a combinação entre testamento e doação com usufruto é suficiente. Em outros casos, acordos de sócios, reorganizações e, quando fizer sentido, estruturas internacionais transparentes e compatíveis com a legislação vigente tornam o projeto mais sólido. Em todas as situações, a eficiência fiscal é consequência de um desenho consistente, e não a sua razão de ser.
Os pontos de tensão mais comuns tornam-se manejáveis quando se investe em documentação e governança. Se uma engrenagem falha, o mecanismo inteiro perde precisão. Em síntese, o melhor planejamento é aquele que continua sólido quando testado por eventos de liquidez, por litígios societários, por fiscalizações ou por sucessões reais. Isso se constrói com método, substância e prova, antes, durante e depois da assinatura dos instrumentos.
A execução do desenho requer assessoria especializada, calendário anual de governança e revisões por gatilhos normativos e patrimoniais, com registro formal das deliberações e convergência contábil-fiscal para preservação de substância e previsibilidade sucessória. A tomada de decisão deve privilegiar previsibilidade e lastro documental, com revisões periódicas pautadas por eventos jurídicos e familiares.
Leandro Andrade
Advogado e Contador | Sócio-Gestor
Planejamento Patrimonial e Sucessório
Este conteúdo é informativo e não constitui consulta jurídica individualizada. Cada família, portfólio e estrutura tem especificidades jurídicas, contábeis e fiscais que demandam análise própria. Para avaliação do seu caso, disponibilizamos agenda consultiva com foco em diagnóstico e desenho de arquitetura patrimonial.

